Facções criminosas e grupos milicianos estiveram na vizinhança de 14% da população brasileira nos últimos 12 meses. A estimativa é de uma pesquisa Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pela Folha de S.Paulo.
Embora a maioria dos entrevistados afirme que não conviveu com o crime organizado no próprio bairro nesse período, os números dão uma ideia do tamanho do contingente populacional que está sujeito ao controle de grupos criminosos. Ele corresponde a mais de 23 milhões de pessoas em todo o país.
Ao todo, 2.508 pessoas com mais de 16 anos foram entrevistadas em todas as regiões do Brasil, em cidades de diferentes tamanhos, entre os dias 11 e 17 de junho. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
Os entrevistados que respondem que o local onde moram “sofreu com a presença explícita de facções criminosas ou milícias” estão concentrados nas grandes cidades, capitais e regiões metropolitanas.
O Brasil tem ao menos 88 facções criminosas no país, segundo um mapeamento da Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais) concluído neste ano. Esse levantamento é feito nos presídios estaduais e federais de todo o país e reflete a atuação de grupos criminosos dentro e fora das prisões.
“Essas são facções que estão interagindo com as duas maiores, PCC e Comando Vermelho”, diz o diretor-presidente do Fórum, Renato Sérgio de Lima, que participou da coordenação da pesquisa Datafolha. “Em 2017, a guerra entre essas facções mostrou que, para o crime, importa controlar o território, mas não todo e qualquer território. Elas dominam locais estratégicos para o armazenamento e o fluxo de distribuição das drogas.”
Segundo o levantamento da Senappen, tanto o PCC (que tem origem em São Paulo) quanto o Comando Vermelho (criado no Rio) estão presentes em mais de 20 estados.
Ao Datafolha, dois em cada dez entrevistados que moram em capitais afirmam que seus bairros sofreram com a presença do crime organizado. Em municípios que compõem as periferias de regiões metropolitanas, a proporção também é mais alta que a média: 17%. Em contraste, 11% dos moradores de cidades do interior relatam a mesma situação.
Pretos e pardos também são mais afetados pela presença ostensiva do crime organizado, em comparação com a população branca. Além disso, pessoas mais jovens relatam a presença de facções e milícias no lugar onde moram com mais frequência do que os entrevistados mais velhos.
A mesma pesquisa perguntou aos entrevistados se há cemitérios clandestinos nas suas cidades e se conhecem pessoas desaparecidas. A proporção de respostas afirmativas nesses casos é menor (8% afirmam conhecer cemitérios clandestinos e 6% alguma pessoa desaparecida), mas o perfil de quem responde “sim” é semelhante.
Os casos são mais comuns nas grandes cidades, e são relatados com mais frequência entre jovens e pretos. Para Lima, esse padrão é indício do comportamento do crime organizado e de homicídios que não são contabilizados nas estatísticas oficiais.
“As mesmas pessoas que reconhecem a facção atuando no seu bairro estão reconhecendo cemitérios clandestinos. Ou seja, uma das formas de atuação é matar e esconder o corpo”, ele afirma. Na cidade de São Paulo, o domínio do crime organizado sobre territórios da periferia e a presença de cemitérios clandestinos são assuntos conhecidos pela população.
Uma moradora da região do Capão Redondo, na zona sul da capital, disse à reportagem que esses locais são usados para desovar corpos de moradores que têm sentenças de morte decretadas por tribunais do crime —conselhos de integrantes do PCC que regulam desentendimentos na comunidade—, e que normalmente a pena capital é aplicada a quem também comete homicídio. Ela falou sob condição de anonimato por questões de segurança.
A mulher, que tem por volta de 30 anos, diz que pessoas desconhecidas da comunidade que não souberem explicar o motivo para estarem ali também podem ser mortas. Um cemitério clandestino no Jardim das Rosas, onde ela mora, foi encontrado pela GCM (Guarda Civil Metropolitana) em 2020.
De fato, em junho o Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) e o Fórum divulgaram uma pesquisa que estimou em quase 6.000 o número de homicídios que não entraram nas estatísticas oficiais de 2022.
O cálculo do Atlas da Violência é baseado no índice de mortes violentas cujas causas não foram definidas, mas que têm as mesmas características de casos que foram registrados como homicídios —dados como o local da morte, instrumento usado na morte, tipo de ferimento, idade e sexo da vítima.
“Esse modus operandi do crime está impondo terror à população no território e, ao mesmo tempo, afetando a qualidade dos dados públicos, que está apontando uma queda no número de homicídios que pode não ser tão grande assim”, diz Lima.