A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) estuda incluir os medicamentos análogos ao GLP-1, como Ozempic e Wegovy, usados no tratamento de diabetes tipo 2 e obesidade, na mesma categoria dos antibióticos, ou seja, com retenção de receita nas farmácias.
Hoje, esses remédios são classificados como tarja vermelha —o que exige prescrição médica—, mas são comprados facilmente sem receita, levando a um uso indiscriminado e com potenciais riscos à saúde.
Ao todo há 11 medicamentos dessa classe terapêutica registrados pela agência regulatória brasileira, sendo três para obesidade e oito diabetes.
A proposta da Anvisa, que deve ser avaliada pela diretoria colegiada no início de 2025, é que esses medicamentos continuem como tarja vermelha, mas com cópia da receita retida na farmácia, com validade de 90 dias.
Nesta quarta (18), a Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica) e as sociedades médicas de diabetes e de endocrinologia divulgaram uma carta aberta em que apoiam a proposta da Anvisa de retenção da receita como medida para o uso racional e seguro da medicação.
As entidades manifestam preocupação devido ao aumento da procura pelos agonistas de GLP-1, sem receita médica e para fins estéticos, e dizem que, embora seguros, esses medicamentos precisam de acompanhamento médico.
“A compra irregular para automedicação coloca em risco a saúde das pessoas e dificulta o acesso de quem realmente precisa de tratamento, dizem.
O assunto foi discutido em audiência pública na Câmara dos Deputados no último dia 11. Em geral, há uma unanimidade de que esses medicamentos são seguros para as indicações previstas em bula, mas há uma preocupação crescente com o uso indiscriminado, para fins estéticos.
Dados da plataforma Pharmaceutical Market Brazil (LQVIA) mostram que, apenas neste ano, foram vendidas mais de 3 milhões de unidades do Ozempic no Brasil. Nos últimos seis anos, o crescimento na compra foi de 663%, segundo a instituição. A venda dos medicamentos Ozempic, Saxenda, Victoza, Xultophy, Rybelsus, em conjunto, somou mais de R$ 4 bilhões apenas em 2024.
Ao mesmo tempo, de acordo com o VigMed, sistema da Anvisa em que são reportadas suspeitas de eventos adversos relacionados a medicamentos e vacinas, de janeiro de 2012 a setembro de 2024, foram registradas 1.165 notificações relacionadas às substâncias liraglutida, dulaglutida, semaglutida e tirzepatida.
Segundo Flávia Neves Alves, gerente de farmacovigilância da Anvisa, comparando os dados brasileiros com os globais, 32% dessas notificações estão relacionadas ao uso não previsto em bula ou não aprovado —contra uma taxa 10% registrada globalmente.
“É uma característica do nosso mercado em que todo mundo consegue ir à farmácia e comprar esse medicamento sem a receita”, disse Alves, na audiência pública.
Outro dado que chama a atenção é o percentual de relatos de casos de pancreatite (inflamação do pâncreas) relacionados ao uso dos medicamentos: 5,9% no Brasil contra 2,4%, no mundo. “Acende o alerta de que algo precisa ser feito.”
Segundo Alves, a retenção da receita tem por finalidade fortalecer o controle e desencorajar o uso irracional dos medicamentos e os eventos adversos relacionados a eles.
Nelson Mussolini, presidente do Sindusfarma (Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos), ponderou que a questão central é a falta de fiscalização dos medicamentos de tarja vermelha por entidades como o Conselho Federal de Farmácia e a própria Anvisa. “O país virou um comércio aberto de medicamentos.”
Para ele, a exigência de retenção de receita não resolve o problema e pode levar a um aumento da falsificação desses produtos. “Se der um Google em Ozempic, vai aparecer Ozempic em gotas, que não existe.”
Renato Porto, presidente da Inferfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa), diz que a retenção de receita também pode aumentar o estigma em relação ao produto e restringir o acesso.
“Há uma série de produtos de tarja vermelha que trazem riscos até maiores do que essa molécula, como os corticoides e os anti-inflamatórios. Temos que fazer com que a prescrição seja cumprida, para que o farmacêutico exerça sua responsabilidade.”
Para a pesquisadora da USP (Universidade de São Paulo) Thamires Campello, advogada especialista em direito médico, é preciso fazer uma diferenciação entre produtos de tarja vermelha vendidos sem prescrição.
“Nenhum apresenta popularidade e um aumento de vendas tão significante [quanto os análogos ao GLP-1] e também não se relaciona com a questão estética”, afirma. Para ela, a retenção de receita pode sim ser uma solução inicial para prevenir danos futuros.
O médico Raphael Câmara Medeiros Parente, conselheiro do CFM (Conselho Federal de Medicina) e autor de um parecer sobre o uso dessas substâncias, diz que, embora elas sejam boas para a diminuição de peso, de doenças cardiovasculares e de mortalidade, elas não são inócuas.
O conselho apoia a proposta da Anvisa de retenção de receita e diz que só aumentar a fiscalização, como propõe a indústria, não funciona.
A farmacêutica Monica Lenzi, que representou o Conselho Federal de Farmácia, diz que não é responsabilidade da entidade a fiscalização da venda sem prescrição, mas sim das vigilâncias sanitárias estaduais e municipais.
O projeto Saúde Pública tem apoio da Umane, associação civil que tem como objetivo auxiliar iniciativas voltadas à promoção da saúde.