
O aumento do número de casos positivos de raiva em animais tem deixado autoridades da Vigilância Epidemiológica em alerta na Bahia. Ainda que o percentual seja considerado dentro do esperado por especialistas, há dois grupos, em particular, que estão sendo observados com maior cautela: equinos e bovinos.
Os equinos tiveram o maior crescimento: foram de dois casos nos quatro primeiros meses de 2024 para 12 no mesmo período deste ano, o que corresponde a 600% de aumento. Na verdade, o total de positivos de 2025 já supera, em 50%, todos os registros do ano passado. Nos 12 meses de 2024, houve oito casos confirmados na família dos cavalos.
Os bovinos têm mantido exatamente o mesmo número do ano passado: 12 casos até abril de cada ano. Ainda assim, por serem um grupo estratégico e com o maior rebanho, estão sendo acompanhados com bastante atenção. Além disso, se voltarmos ao ano de 2023, em todo aquele período, foram 17 positivos.
Esse recrudescimento se reflete no número total. Quando considerados todos os casos positivos em animais este ano, agora há 18,9% mais registros: 44 confirmações agora contra 37 do ano passado. A situação está sendo monitorada não apenas pela Secretaria da Saúde da Bahia (Sesab) como pela Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab).

Casos de raiva em animais na Bahia, em 2025 Crédito: Divulgação/Sesab
“O número está dentro da faixa esperada. A gente tem o ciclo da raiva em várias espécies de animais. Temos uma orientação da Vigilância Epidemiológica para fazer a coleta e o envio das amostras, para identificar se, de fato, são animais positivos ou não. O que chama um pouco de atenção em relação à série histórica é esse aumento em equinos e bovinos”, explica a coordenadora de imunização da Sesab, Vânia Rebouças.
Uma das hipóteses consideradas neste cenário é a vacinação. No ano passado, a Bahia registrou a maior campanha de imunização já feita no estado, com mais de dois milhões de doses aplicadas em cães e gatos. Mas, ao contrário da situação dos animais domésticos, a vacinação de animais de produção – tais quais equinos e bovinos – não é compulsória no Brasil.
“É possível que muitos produtores aproveitam o manejo (da vacinação) da febre aftosa e faziam também para a raiva. Com a não obrigatoriedade da vacina da febre aftosa, é possível que tenha havido um relaxamento da imunização para a raiva, já que não é obrigatória. Mas são possibilidades”, acrescenta Vânia.
Em abril do ano passado, após décadas de enfrentamento, a Bahia completou sua última campanha de vacinação obrigatória para febre aftosa. Nesta quinta-feira (29), o estado receberá a certificação internacional de Zona Livre de Febre Aftosa sem Vacinação. O título vai ser concedido pela Organização Mundial da Saúde Animal (OMSA), em uma cerimônia em Paris, na França.

Autoridades de saúde e defesa agropecuária estão em alerta com casos de raiva em equinos e bovinos Crédito: Reprodução/Adab
Manejo
De fato, era muito comum que os produtores rurais fizessem a dobradinha na vacinação: aftosa e raiva juntas, segundo o fiscal estadual agropecuário Paulo Ferraz, que é coordenador do Programa Nacional de Controle e Erradicação da Raiva em Herbívoros na Adab.
“Com a retirada da aftosa, realmente as pessoas deixaram de fazer. Todos esses casos de raiva, quando a gente vai ver, realmente eram de animais que não tinham sido vacinados. São a prova da ausência de vacinação. Eles facilitaram e teve um recrudescimentozinho. Mas está dentro dos parâmetros, porque a gente vem fazendo um trabalho de sensibilização para aumentar as notificações”, explica.
A agência contabilizou, 10 confirmações de raiva em equinos em 2025 – ou seja, dois a menos do que a Sesab. No entanto, o órgão divide as ocorrências dos ‘muares’ (animais híbridos, como mulas e burros), que também registraram ao menos um positivo este ano.
Além disso, em 2025, houve um aumento nas notificações à agência. Enquanto no ano passado foram 71 amostras encaminhadas – dessas, 49% foram positivas -, este ano, foram 56 coletas e um índice de positividade de 41%. “Isso representa que as pessoas estão sensibilizadas em notificar qualquer animal com sintomatologia nervosa”.
O quadro de sintomas é o principal sinal de atenção. Se o animal tiver dificuldade de andar ou de levantar, se estiver cambaleando ou com salivação excessiva, a Adab precisa ser notificada. Neste contexto, a recomendação expressa é de não manusear a boca do bicho que estiver com sintomas, porque o vírus da raiva é transmitido por meio da saliva.
“Em algumas propriedades na região de Guanambi, as pessoas estavam manipulando a boca do animal, tentando dar água e comida”, conta Ferraz. A cidade teve três casos confirmados este ano.
De acordo com ele, a preocupação com equinos e bovinos se dá por razões diferentes. No caso dos bovinos, é mesmo pelo tamanho da população. Atualmente, a Bahia tem cerca de 13 milhões de cabeças de gado, enquanto o rebanho de equinos fica em torno de 10% disso.
“Os casos em equinos chamam atenção porque as pessoas manipulam a boca do animal com mais frequência. Com o boi, geralmente as pessoas não manipulam a boca, mas equinos são quase animais de estimação. As pessoas têm um contato maior”, diz.
Em todas as ocorrências de raiva positiva entre animais de produção, os bichos que morreram já tinham, em média, dois anos sem serem imunizados. Entre os dias 1 de julho e 15 de agosto, a Bahia terá a atualização cadastral obrigatória desses animais – a primeira desde o fim da vacinação obrigatória de aftosa.
Neste período, os dados sobre a imunização contra a raiva são esperados e vai ser possível chegar ao percentual da cobertura vacinal no estado. Os produtores deverão comparecer à unidade da Adab mais perto de seu município para isso, levando a nota fiscal da vacina.
Morcegos
Outro alerta importante é que, se que os produtores rurais perceberem que seus animais foram ‘esfoliados’, devem chamar a Adab. Esse é o termo técnico para quando o bicho é chupado por um morcego.
“O morcego tem o hábito de esfoliar o animal. Isso significa que ele vai voltar no outro dia para chupar o sangue. A gente pode fazer o controle indireto”, explica Paulo Ferraz, citando uma pasta que é colocada em volta da ferida para repelir esse retorno.
Além disso, se o produtor encontrar, em sua propriedade, algum morcego hematófago, também deve notificar essa localização à Adab. A agência faz o controle apenas dos morcegos deste tipo.
“Os outros são importantes para a natureza. A população fica agoniada, mas o morcego hematófago não vive na casa das pessoas. Ele é tão vítima da raiva quanto o ser humano e os outros animais. Quando tem um surto, a colônia será atingida e isso vai matar a maioria deles”, explica.
Ainda assim, a orientação é de que nenhum morcego seja manipulado, porque qualquer espécie deles pode transmitir raiva. Se alguém notar um desses animais voando durante o dia, por exemplo, pode ser um sinal de raiva. Morcegos voam apenas à noite, mas a raiva provoca o desequilíbrio nessa noção.
No mundo, existem cerca de mil espécies de morcego, mas o que é considerado de maior interesse para a defesa agropecuária é o Desmodus rotundus (ou seja, um do tipo hematófago, chamado popularmente de vampiro). Ele se alimenta de sangue e morde animais como bois e cavalos. Se não encontrar animais, eventualmente pode ter contato com seres humanos.
“Na realidade, a cada cinco ou 10 anos, é esperado que tenha esses picos populacionais de morcegos. Esse é o ciclo deles, então é uma coisa natural. Depois, isso volta ao normal”. Por serem animais silvestres, não existe vacinação disponível para eles.

Morcegos hematófagos são monitorados pela Adab Crédito: Reprodução/Adab
Capital
Em Salvador, até abril, houve dois casos positivos de raiva: um em equino, outro em morcego. Em maio, já haverá pelo menos um novo caso de raiva em morcego computado. De acordo com a Secretaria Municipal da Saúde (SMS), além dos dois positivos de 2025, foram oito no ano passado e cinco em 2023.
O órgão também informou que o aumento de 2023 para 2024 não está relacionado a aumento da população de morcegos, mas à maior conscientização da população. Com mais notificações, mais amostras são enviadas para análise laboratorial. Ainda segundo a SMS, todos os animais coletados até o momento não foram hematófagos – ou seja, eram de espécies que se alimentam de insetos, frutas, néctar ou pólen.
“Ao encontrar um morcego — seja caído, voando baixo ou rastejando — a orientação é: não tentar tocar ou manipular o animal sob nenhuma hipótese”, dizem, em nota. A pessoa deve ligar para o telefone 156 ou para o setor de vigilância da raiva animal, no número (71) 3202-0984.
Humanos
A maior forma de prevenir a raiva em humanos é por meio da vacinação de cães e gatos, como explica a coordenadora de imunização da Sesab, Vânia Rebouças. Não há vacina disponível para a população em geral, exceto em casos pós-exposição.
Ou seja, depois que alguém teve contato com um animal potencialmente transmissor da raiva, pode receber a vacina e soro. “A raiva é um agravo praticamente 100% letal, por isso, é importante procurar uma unidade de saúde para que a profilaxia seja feita o mais breve possível. A eficácia é excelente”, explica. A vacina pré-exposição é destinada a grupos específicos, como médicos veterinários.
O último caso de raiva em humanos, na Bahia, foi em Paramirim, em 2017. Na ocasião, o animal envolvido na transmissão foi um morcego. No Brasil, contudo, já foram registradas duas ocorrências de raiva humana: uma em Pernambuco e outra no Ceará. Nas duas situações, o vírus foi transmitido por um sagui.
“São aqueles micos que a gente vê as pessoas brincando. Eles são animais potencialmente transmissores de raiva. Por isso, é importante evitar o contato com morcegos, raposas e até mesmo os saguis”, completa Vânia. Correio