
Primeiro, a demarcação. Muros, portas, janelas, postes, amanheceram com as iniciais em vermelho “CVTD2” e “CV2”. Depois, uma série de confrontos, opressão a moradores e mortes com requinte crueldade, como foi o caso de um motorista por aplicativo, torturado e esquartejado ainda neste mês. Uma das organizações criminosas mais agressivas do país, o Comando Vermelho (CV), chegou a Eunápolis, no sul do estado, e está por trás também do atentado a tiros contra o diretor do Conjunto Penal de Eunápolis nesta quarta-feira (20). Com tudo isso, a população está apavorada.
O Comando Vermelho começou a delimitar o território pela periferia da cidade, em bairros como Juca Rosa, Alecrim, Parque da Renovação, Paquetá, dias após a fuga em massa no Conjunto Penal de Eunápolis, em dezembro do ano passado. Na ocasião, homens armados invadiram a unidade e libertaram 16 internos, entre eles o traficante Ednaldo Pereira Souza, o Dadá, líder na ocasião do Primeiro Comando de Eunápolis (PCE). Pelo fato da conexão com o Primeiro Comando da Capital (PCC), acreditava-se que Dadá estivesse em São Paulo. No entanto, o inesperado. Ele foi acolhido em um dos morros no Rio de Janeiro.

Comando Vermelho é responsável pelo atentado contra o diretor do Conjunto Penal de Eunápolis Crédito: Divulgação
Ainda não se sabe o porquê da ruptura com o PCC, mas é sabido que, após ‘virar folha’, Dadá teve o suporte dos aliados na base em Eunápolis e assim conseguiu o apoio que precisava dos demais integrantes para que o PCE deixasse de existir e se tornasse uma célula do CV no município, abarcando todo o território antes comando pela facção extinta.
“No Juca Rosa, por exemplo, eles estão parando os carros, pedindo que as pessoas se identifiquem. Perguntam para onde vão, vasculham até o celular da pessoa. A depender da situação, a sentença de morte é imediata. O PCE punia no tribunal (‘do crime’) os envolvidos. Mas o Comando (Vermelho) não quer saber de inocentes, crianças e idosos. É de uma violência sem tamanho”, conta o servidor.
Atentado
O ataque do Comando Vermelho no dia 20 tinha como alvo o diretor do Conjunto Penal de Eunápolis, Jorge Magno Alves. Alves, que é policial penal, vinha recebendo ameaças de morte. O atentado aconteceu contra um carro em uma avenida perto do presídio, no bairro Paquetá, cometido por cerca de 20 encapuzados com fuzis e roupas camufladas. No entanto, o policial penal não estava no veículo. Um motorista que presta serviço terceirizado para a prisão foi atingido e está internado.
Após as investigações, a polícia chegou a um casal envolvido no episódio. Cerca de 100 policiais das Forças Estaduais e Federais deflagraram, na madrugada de quarta-feira (21), ações integradas com o objetivo de capturar os criminosos, integrantes de uma organização criminosa.
Apesar de a SSP não ter revelado os nomes, fontes da própria pasta revelaram que um traficante do CV conhecido como “Rubão” e a mulher dele, foram localizados numa residência em Itapebi, cidade para onde fugiram logo após o crime. Eles teriam confessado o crime. Teriam dito que o objetivo era matar Alves, que assumiu o cargo em janeiro deste ano, após a prisão da ex-diretora do presídio Joneuma Silva Neres, acusada de ter facilitado a fuga em massa dos 16 presos no dia 12 de dezembro do ano passado e envolvimento com uma organização criminosa.

Ednaldo Freire Ferreira, o Dadá Crédito: Reprodução
Quando a organização ainda era chamada de PCE, “Rubão” foi preso em junho de 2023, após assaltar uma joalheria no centro da cidade, onde ele e mais três mantiveram uma funcionária refém.
Esquartejado
A morte brutal do motorista de aplicativo Weverton Antônio dos Santos, de 28 anos, foi também obra do CV. Ele foi sequestrado no dia 13 deste mês, após deixar o enteado em casa ainda no município, depois torturado e esquartejado. De acordo com um dos agentes da força de segurança pública da região, o Weverton foi assassinado porque aparece numa foto ao lado de um policial, com quem trabalhava numa empresa de segurança. “Depois que a imagem circulou nas redes sociais, um dos traficantes teve a casa invadida pela polícia. Então, acreditaram que ele (Weverton) tinha passado a informação. Além disso, o rapaz tinha muitos amigos policiais”, conta ele.
Logo após o crime, a família de Weverton recebeu um vídeo do corpo dele esquartejado. Mas a família não foi a única que teve acesso à gravação. A filmagem chegou ao conhecimento da 23ª Coordenadoria do Interior (Coorpin/Eunápolis). Num trecho específico, um dos criminosos diz: “Olha aí o que acontece com o ‘x-9’”. “Foi um recado para a polícia, não há dúvida. Mesmo depois da morte do motorista, não houve uma resposta para dizer que pelo menos para tranquilizar a cidade”, diz a fonte. Em nota, a Polícia Civil informou que “diligências estão sendo realizadas para esclarecer a morte do motorista de transporte por aplicativo”.
Cidade violenta
De acordo com dados do anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em julho de 2023, Eunápolis foi a 19ª cidade mais violenta do país em 2022, com uma taxa de 56,3 mortes por 100 mil habitantes. O mesmo Atlas da Violência, publicado em 2018, colocou o município como o segundo mais mortífero do Brasil, com a taxa de 124,3 óbitos por cada 100 mil habitantes.
Município conta com uma unidade da Polícia Militar e três da Polícia Civil, entre elas a 23ª Coordenadoria do Interior (Coorpin). De 2023 para cá, a 23ª Corpin está na sua terceira coordenação. Depois de seis anos no cargo, o delegado Moisés Damasceno deixou a unidade para trabalhar na capital em junho de 2023. No lugar dele, entrou o delegado Paulo Henrique, que ficou até abril do passado. O cargo foi ocupado pelo delegado Wendel Ferreira. Em abril deste ano, a Corpin passou a ter um novo coordenador: o delegado Moab Macedo Lima.
“Está complicado para a nossa cidade cidade. Essa troca de comando é complicada. Precisamos de ações mais urgentes. A gente tem medo de tudo, porque é preciso de manter vivo”, diz a presidente da OAB da Subsecção de Eunápolis, a advogada Kátia Regina Taurinho, que pede medidas mais concretas para a segurança do município.
No dia 23 de fevereiro, a adolescente Núbia Matos Pereira, de 16 anos, foi assassinada no bairro Alecrim. O crime foi cometido por três homens. Em 14 de maio, um tiroteio perto do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA) deixou dois mortos e alunos em pânico. Bandidos eram perseguidos pelos policiais e chegaram a invadir o colégio.
Uma execução deixou os moradores apavorados no Juca Rosa, em 09 de abril. Carlos Santos Silva, de 26, foi baleado na Rua José Belesio Filho. Perseguição e tiro no dia 22 de julho resultou na morte de Ivanildo Cândido no centro da cidade. Ele estava em um carro e estava a caminho do conjunto penal, onde buscaria um jovem de 22 anos que tinha acabado de sair, quando foi fechado por motoqueiros que atiraram.
A Secretaria de Segurança Pública foi procurada, mas não respondeu.