Sobrevivente do ataque que matou três médicos no Rio de Janeiro, em outubro, o ortopedista Daniel Proença falou pela primeira vez do ataque. Ele conta que achava que os tiros eram fogos de artifício e que após ser atingido pelos disparos, fez uma espécie de “autoconsulta” para sobreviver.
“Eu estava de costas. Inicialmente comecei ouvir as explosões. O Fluminense tinha se classificado para semifinal da Libertadores, tinha passado um carro na orla, soltando fogos. Quando eu comecei a ouvir os disparos, eu confundi eles com fogos, e senti o calor nas costas. Quando eu comecei a virar, protegendo meu rosto com a mão direita pra me jogar no chão, para sair do nível dos fogos, comecei a sentir muita dor no braço direito, em vários lugares. Aí, eu caí no chão. Nesse momento, eu comecei a ter noção do real, da gravidade”, diz.
Ele ainda tem sete projéteis alojados no corpo e vai passar por duas cirurgias. A primeira será para retirada da bolsa de colostomia e a segunda, para mais uma correção ortopédica.
Daniel diz que ver os amigos mortos foi o pior momento do ataque. Marcos de Andrade Corsato e Perseu Almeida morreram na hora. Diego Ralph chegou a ser socorrido, mas morreu no hospital. “Ver a execução. No momento do crime, exatamente, eu cheguei a ver meus amigos executados e sabia que eu perdi os três. O doutor Corsato, quando olhei para o lado, já estava evidente que ele não respondia, já estava na cadeira com os braços esticados. O Perseu vi ele tentando fugir, aí infelizmente o executor esticou o braço direito e disparou alguns tiros, ele parou de se mexer, e eles foram embora. O Diego começou a gritar”.
Para sobreviver, ele tentou se acalmar, apesar da tragédia ao seu redor. “Naquele momento eu estava frio, em relação que eu estava com um pensamento de médico sobre mim, então eu estava me examinando. Então eu tentei dentro do máximo possível, diminuir minha respiração, diminuir minha frequência cardíaca e ficar mais calmo”. “Tentei forçar vômito, para ver se tinha alguma perfuração abdominal. Eu via o sangue escorrendo pelo meu corpo. Eu sabia que possivelmente essa seria a principal causa daquele momento da minha luta pela vida. Foi uma violência muito grande”, relata.
Antes do ataque, eles fizeram uma foto juntos e conversavam sobre planos para o futuro. “A foto é uma ideia do Doutor Corsato. Nossa, foi muito agradável. A gente tinha uma amizade muito grande, muito próxima. Então ali estávamos confidenciando projetos, confidenciando futuro. Perto de umas dez horas, imagino eu, quando a gente já estava praticamente pensando em ir embora, o doutor Corsato passou, reconheceu o Perseu, aí ele abraçou o Perseu, cumprimentou a gente e aí ele escolheu sentar na nossa mesa”, conta.
Daniel contou que ficou chocado ao saber que o crime teria acontecido porque Perseu foi confundido com um miliciano. “Meu sentimento era de choque. Simplesmente, eu estava inerte, e saber que foi por causa de guerra, de tráfico, essas coisas. É muito revoltante”.
Agora, ele faz planos para o futuro. “Quando eu voltar, o cuidado ao próximo, com certeza vou fazer representando não só a mim, mas aos quatro que estavam naquela mesa porque tinham o mesmo padrão de trabalho, de compromisso com o próximo. Seguirei como se eles estivessem lá, com alegria, deixando o clima do centro cirúrgico um clima gostoso, fazendo com que as cirurgias andem bem, deem certo, o resultado seja satisfatório e o clima muito bom pra todo mundo”. Correio