Os cartéis de narcotráfico do México são o quinto maior empregador do país, de acordo com um estudo publicado nesta sexta-feira (22) na revista Science. Ao todo, cerca de 175 mil pessoas trabalham para esses grupos criminosos —número semelhante ao de trabalhadores da maior rede de mercados de bairro do México, a Oxxo, que desembarcou no Brasil no final de 2020.
Tamanha presença do crime na sociedade mexicana mostra que a forma mais eficiente de combater os cartéis é diminuir a sua capacidade de recrutamento, segundo a pesquisa. A conclusão contrasta com a atual abordagem do governo mexicano, focada no encarceramento.
“Nem por meio dos tribunais nem por meio das prisões. A única forma de reduzir a violência no México é cortar o recrutamento dos cartéis”, afirmou um dos pesquisadores, Rafael Prieto Curiel, ao jornal espanhol El País. Trabalhando como matemático no Complexity Science Hub, em Viena, o ex-policial da Cidade do México foi um dos responsáveis pelos cálculos do estudo, assinado também pelo cientista político Gian Maria Campedelli e pelo especialista em segurança pública Alejandro Hope.
Para calcular quantas pessoas os cartéis empregam, os pesquisadores usaram dados de vítimas de homicídios e de encarceramento, estimando que membros dos grupos criminosos representam 10% e 5% desses números, respectivamente. Cerca de 37% dos membros dos cartéis foram mortos ou encarcerados nos últimos dez anos, de acordo com esse modelo —aproximadamente 200 membros perdidos por semana.
Em 2022, porém, os grupos criminosos mexicanos tinham 60 mil membros a mais do que em 2012. Só os dois maiores, Sinaloa e Jalisco Nova Geração, eram responsáveis por 46.600 deles —número próximo à estimativa da Administração Antidrogas dos EUA, que calculou 44.800 membros nesses dois cartéis. Os dados, porém, podem estar subestimados, segundo a Science, já que consideram somente os membros em contato direto com a violência e ignoram os operadores financeiros, por exemplo, responsáveis por crimes como lavagem de dinheiro.
Considerando os dados do estudo, apenas FEMSA (engarrafadora da Coca-Cola), Walmart (rede de supermercado), Manpower (empresa de recrutamento) e América Móvil (empresa de telecomunicações) têm mais empregados do que o narcotráfico no México.
Diante desse número, os pesquisadores fizeram uma projeção do impacto de diferentes políticas de combate ao crime. Segundo o modelo usado, a continuidade das medidas atuais possibilitaria que esses grupos crescessem 26% e que houvesse 40% mais mortes em 2027. Negociações pacíficas com os grupos, por sua vez, não teria qualquer impacto nesse prazo; já duplicar o número de membros presos poderia conter o aumento em cinco anos, mas não a violência.
A solução, portanto, seria atacar as estratégias de recrutamento dos grupos —se o Estado conseguisse cortar pela metade o número de pessoas aliciadas, em 2027 o tamanho dos cartéis seria 11% menor. “Matematicamente, uma estratégia preventiva teria muito mais sucesso do que uma reativa tradicional”, afirmou Prieto ao El País.
O México está sob pressão dos Estados Unidos, que enfrenta uma epidemia de opioides. Casos de overdose fora dos hospitais causados pelo consumo de fentanil, um opioide 50 vezes mais poderoso que a heroína, quase triplicaram nos Estados Unidos entre 2016 e 2021, segundo um artigo publicado no New England Journal of Medicine em junho.
O que chamou a atenção no estudo foi o aumento vertiginoso das fatalidades relacionadas ao fentanil. A taxa era de 46 óbitos por 1 milhão em 2016, mas saltou para 178 em 2021.
No México, o tráfico traz problemas há anos. Desde a implementação da iniciativa de combate ao crime conhecida como Plan Mérida, em 2008, houve uma explosão no número de desaparecidos no país —cifra que ultrapassou no ano passado a marca dos 100 mil desde o início da série histórica, em 1964. BN