O presidente russo, Vladimir Putin, irá se encontrar com o ditador norte-coreano, Kim Jong-un, em Vladivostok (Extremo Oriente da Rússia). A reunião, especulada há dias, deverá ocorrer nesta terça (12, no horário local, 13 horas à frente do de Brasília).
Tanto o Kremlin quanto a agência estatal norte-coreana KCNA divulgaram a confirmação do encontro ao mesmo tempo, nesta segunda (11). Segundo o Kremlin, será uma “visita completa, com almoço formal”. Como o líder russo tem uma agenda prevista só de dois em Vladivostok, onde chegou nesta manhã de segunda, e o trem blindado de Kim deixou Pyongyang rumo à cidade ao mesmo tempo, tudo sugere que a data seja esta terça.
Putin participará do Fórum Econômico Oriental. É a segunda vez que ambos se encontrarão: em 2019, eles também se reuniram em Vladivostok, conhecida como a “San Francisco da Rússia”, devido às suas ladeiras onduladas e ao cenário natural magnífico no Pacífico análogo ao da cidade americana.
Será apenas a oitava viagem internacional conhecida de Kim, quatro delas à também aliada China. A cúpula dará à ditadura a oportunidade de entrar de vez, do ponto de vista simbólico e prático, na Guerra Fria 2.0 que tem definido as relações internacionais desde que o americano Donald Trump a lançou contra o assertivo líder chinês Xi Jinping em 2017.
Na lógica de blocos prevalente desde então, China e Rússia formam uma aliança em oposição ao Ocidente liderado pelos EUA, com uma série de países de maior porte buscando uma atitude mais independente, como se vê na diplomacia de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do indiano Narendra Modi.
A paleta, claro, não é só em preto e branco, cabendo arranjos diversos. No caso da Coreia do Norte, contudo, o maniqueísmo voltou com força desde o fracasso na mais recente tentativa de negociação com os EUA, no biênio 2018-2019.
Ele foi seguido pelo isolamento draconiano do país na pandemia de Covid-19, levando Kim a uma nova agressividade na sua relação com a Coreia do Sul, país com o qual divide sua península há 70 anos, desde o armistício na Guerra da Coreia.
Assim, talvez em buscar atrair os americanos, fiadores dos sul-coreanos, à mesa de negociação, Kim voltou a acelerar seu temido programa de mísseis para o emprego do seu arsenal estimado em 30 ogivas nucleares e uma grande gama de armamentos convencionais.
Não deu certo, e o governo de Joe Biden assumiu uma agressividade inaudita, escalando escopo e frequência de exercícios militares com Seul e trazendo Tóquio, antiga rival dos coreanos, para o mesmo barco. Washington passou a fazer ameaças abertas de aniquilação do regime comunista do Norte em caso de guerra.
No fim de semana, o ditador celebrou os 75 anos da fundação do seu Estado, uma combinação de regime stalinista com dinastia familiar. Lançou, com efeito, um novo submarino para lançamento de mísseis nucleares —na realidade, um modelo antigo, dos anos 1950, adaptado de forma algo bizarra.
Agora, coroa os festejos com o encontro em Vladivostok, que já é alvo de críticas preventivas pelos Estados Unidos. O motivo é o que Kim pode ter a oferecer como tíquete de entrada para a primeira fila da Guerra Fria 2.0, munição de sobra para eventual emprego na Ucrânia, e o que pode receber de volta: tecnologia para seu programa nuclear.
Por óbvio, nada deverá ser revelado durante a reunião. Analistas militares sugerem que o objeto do desejo imediato de Putin são projéteis de 155 mm para artilharia pesada, cujo padrão soviético a Rússia divide com a Coreia do Norte. Pyongyang, além da contrapartida militar, também precisa de grãos e petróleo, os quais os russos têm de sobra.
Na Ucrânia, as forças russas seguem com uma alta taxa de uso de artilharia. O problema da falta de drones de ataque foi mitigado pela chegada de grandes quantidades do modelo kamikaze Shahed-136 do Irã. Já a falta de componentes eletrônicos para mísseis de cruzeiro de alta precisão tem sido driblada por esquemas de fornecimento de chips da China e outros países por meio de terceiros.
O nó para Putin é que qualquer acordo mais às claras violará sanções que a própria Rússia aprovou no Conselho de Segurança das Nações Unidas contra a ditadura. Mas é algo mais teórico, dado que a economia russa já está sitiada por sanções ocidentais, e quem segue fazendo negócios com Moscou, como China, Índia e Brasil, não parece sensível a mais críticas do Ocidente.
Na mesma linha, cai no vazio a queixa feita nesta segunda pela Casa Branca para que Pyongyang respeite os embargos ocidentais e não venda armas a Moscou. Uma forma menos sutil de protesto veio a seguir, com o vazamento a repórteres que o governo Joe Biden estaria perto de fornecer mísseis com até 300 km de alcance ou versões de fragmentação que podem atingir alvos a 70 km com até 400 bombas menores.
São armas temíveis para as linhas de suprimento e centros de comando russos longe da linha de frente, em território ocupado na Ucrânia. Até aqui, Biden segurou esse envio por considerá-lo uma escalada, tendo concordado com polêmicas bombas de fragmentação a serem usadas em cartuchos de 155 mm com até 30 km de alcance.