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Servidor do INSS denunciou esquema de descontos ilegais em 2020, foi ignorado pelo governo Bolsonaro e ameaçado de morte

Foto: Rafa Neddermeyer / Agência Brasil

Em 2020, um servidor da direção central do INSS procurou a Polícia Federal após identificar irregularidades nos descontos aplicados sobre benefícios de aposentados e pensionistas. Ele relatou que, após detectar os desvios, passou a receber ameaças de morte e, mesmo após levar o caso às autoridades, foi ignorado pelo governo federal da época, sob a gestão de Jair Bolsonaro.

O servidor atuava no setor responsável por auditar os acordos de desconto firmados com associações. Em entrevista ao Jornal Nacional, sob condição de anonimato, ele afirmou: “Na época que a Diretoria de Benefícios estava cortando ali os ACTs, estava fazendo uma auditoria em cima deles, alguns servidores receberam ameaças […] justo no período onde que ‘tavam’ enviando ali as auditorias dos descontos associativos.”

As denúncias levaram a Polícia Federal a abrir uma investigação ainda em 2020. A apuração, no entanto, foi concluída apenas em 2024, sem qualquer indiciamento. Paralelamente, a Polícia Civil do Distrito Federal também investigava o caso a partir de reclamações feitas por aposentados ao Ministério Público.

O servidor denunciou especificamente a Confederação Nacional de Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer), que, segundo ele, teve crescimento anormal no número de filiados com descontos diretos nos benefícios: de 80 mil em janeiro de 2020 para mais de 250 mil em outubro do mesmo ano, mês em que o acordo com o INSS havia sido suspenso por irregularidades.

Assinado em 2017, o convênio entre a Conafer e o INSS foi suspenso em setembro de 2020. No mês seguinte, uma mudança na estrutura do instituto transferiu a responsabilidade pela análise desses acordos da Diretoria de Benefícios para a Diretoria de Atendimento, decisão tomada por Leonardo Rolim, então presidente do órgão. Essa mudança permitiu que o convênio fosse reabilitado. Na ocasião, a Conafer chegou a homenagear o diretor de atendimento Jobson de Paiva Sales, responsável pela reversão da suspensão.

Segundo relatório da Controladoria-Geral da União (CGU), a Conafer foi a entidade que mais cresceu em volume de descontos entre 2019 e 2024, saltando de R$ 400 mil para R$ 202 milhões.

Em março de 2021, o presidente da Conafer, Carlos Roberto Ferreira Lopes, foi ouvido pela Polícia Civil. Ele se recusou a informar seus rendimentos, alegando a existência de um termo de confidencialidade — documento ao qual o Jornal Nacional teve acesso. Nele, Lopes assinava como presidente da entidade e como funcionário.

No depoimento, afirmou que “a Conafer ou seus integrantes não foram responsáveis pela inserção de descontos indevidos nos benefícios de aposentados e pensionistas”, atribuindo eventual responsabilidade à Dataprev, estatal que processa os pagamentos do INSS.

A Polícia Civil identificou indícios de movimentações suspeitas de Carlos Lopes e da esposa, Bruna Braz, entre 2019 e 2020, incluindo a aquisição de cinco imóveis e uma fazenda avaliada em R$ 3 milhões.

Somente em abril de 2025, uma operação policial foi deflagrada para desarticular o suposto esquema. A ação resultou na queda do então ministro da Previdência e do atual presidente do INSS.

Leonardo Rolim disse que a reestruturação das diretorias ocorreu de forma racional e que deixou a presidência do INSS em outubro de 2021. Disse ainda que desconhece o destino dos contratos após sua saída.